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terça-feira, 17 de maio de 2011

ESPONDILITE ANQUILISANTE

A partir de agora, destacarei aspectos epidemiológicos, etiopatogênicos, características clínicas, radiológica e prognóstico da espondilite anquilosante, artropatia psoriásica, enteroartropatias, síndrome SAPHO e das formas indiferenciadas. Cada uma numa postagem independente.
O gene HLA-B27 está fortemente associado com a suscetibilidade a estas doenças, porém a intensidade da associação sofre variação de acordo com a espodiloartropatia, grupos raciais e étnicos. As EASn apresentam mecanismo etiopatogênico não totalmente compreendido, mas certamente relacionado a presença do HLA-B27. Grande parte do conhecimento atual sobre a etiopatogênese das EASn é resultado de estudos focados na interação entre hospedeiro-bactéria-HLA-B27, decorrentes da observação das artrites reativas a processos infecciosos, principalmente os bacterianos.
Possíveis teorias que tentam explicar esta interação são:

1. Persistência bacteriana - o HLA-B27 favoreceria a persistência de bactérias e prejudicaria as defesas antibacterianas;
2. Peptídeos artritogênicos - peptídeos intracelulares bacterianos, capazes de desencadear reação cruzada, são apresentados pelo HLA-B27 e desencadeiam auto-imunidade;
3. "Altered self" - o HLA-B27 contém um resíduo cisteína altamente reativo na posição 69 do peptídeo de ligação encaixe, que poderia facilmente formar uma ligação disulfídica com a homocisteína. Com a modificação, o antígeno HLA-B27 é reconhecido pelos linfócitos T citotóxicos como estranho;
4. HLA-B27 como auto-antígeno - peptídeos derivados do HLA-B27 promovem reação cruzada com peptídeos bacterianos, são apresentados para antígenos HLA de classe II e desencadeiam auto-imunidade.

As hipóteses apresentadas não são de ocorrência excludente, podendo participar simultaneamente. A prevalência do HLA-B27 varia de acordo com a população estudada. Na região do Canadá, há uma prevalência de 50% para o grupo étnico de índios haida, já nos EUA, esquimós inupiat tem uma prevalência de 25%. No Brasil, Caucasóides chega a 6,3% e negros africanos a prevalência é de 0%.

Nem sempre é possível diferenciar de maneira objetiva as diversas formas de EASn, principalmente nos estágios precoces, visto que estas doenças compartilham muitas características clínicas.

Para melhor identificação das EASn em fases ainda precoces, foram desenvolvidos os critérios de classificação pelo Grupo de Estudo Europeu da Espondiloartropatia. Estes critérios de classificação também são úteis na identificação de pacientes com síndromes indiferenciadas.

ESPONDILITE ANQUILOSANTE IDIOPÁTICA

A espondilite anquilosante idiopática (EA) é uma doença inflamatória sistêmica crônica que tem como alvo primário do processo inflamatório o esqueleto axial, sendo o envolvimento das sacroilíacas (SI) o seu maior marco. Além do envolvimento das SI, outros locais acometidos pelo processo inflamatório são: disco intervertebral, articulações interapofisárias e costo-vertebrais e ligamentos paravertebrais. Uma importante característica desta doença é a alta freqüência de entesites (processo inflamatório localizado no sítio das inserções tendíneas e ligamentares no tecido ósseo).

Estudos epidemiológicos demonstram que a doença acontece mais freqüentemente no sexo masculino em uma proporção de 5:1 até 8-9:1. A prevalência da EA em caucasóides varia entre 0,5% a 1,0% e sua incidência em norte-americanos brancos é de aproximadamente 6,6/100.000.

A prevalência da EA varia de 0,2%, nos EUA, a 1%, na Noruega.  É tida como mais rara em afro-americanos, áfrica e japoneses.  É mais prevalente em algumas tribos da América e da Sibéria.  Não há relação entre índios brasileiros. Incide mais o sexo masculino, em proporções variáveis de acordo com o estágio da doença típica ou de longa evolução, há maior predomínio no sexo masculino; nos casos iniciais, com menor número de manifestações, a diferença de incidência entre os sexos diminui.  Na atualidade, a incidência é, em média, de quarto homens para uma mulher.  Num estudo feito em Goiânia no Brasil foram encontrados oito casos em homens para cada paciente do sexo feminino.   

É caracteristicamente doença de jovem, tendo seu início mais frequente a partir da adolescência, podendo surgir até os 30 anos de idade.  Excepcionalmente tem início após os 50 anos de idade.

O HLA-B27 é encontrado em 7% da população normal, e em 20% dos parentes em primeiro grau dos portadores de EA.  Em afro-americanos é observado em aproximadamente 50% dos casos de EA.  No Brasil, dois estudos revelaram a prevalência de ± 80% deste marcador em EA.

Não devemos esquecer que estudos epidemiológicos sobre EA são dependentes da população em estudo, da prevalência do HLA-B27 nesta população e dos critérios utilizados para se definir a EA.

O fato de ser uma doença inflamatória, por vezes febril, induz à suposição de uma causa infecciosa para a EA.  Assim, a gonorréia e a tuberculose já foram alvo de pesquisas como possíveis causadoras da EA.  Na atualidade, a causa infecciosa, principalmente intestinal, ainda merece consideração.  Os argumentos favoráveis para tal suspeita são:

a)      Presença de Klebsiella pneumoniae em fezes de pacientes com EA;
b)      Sorologia positiva para Klebsiela, Salmonella e Shiguella em soro de pacientes com EA.
c)      Presença de sacroileíte e espondilite pós-infecções intestinais;
d)      Sequência de aminoácidos de enterobactérias idênticas a sequência do HLA-B27;
e)      Descoberta de ratos transgênicos B27 que não tem artrite, quando vivem em meio estéril.

De início, a descoberta da alta prevalência do HLA-B27 em EA foi motivo para estabelecer uma relação puramente mendeliana. À medida que o conhecimento progrediu, tem-se verificado a importante função do B27 como processadores de antígenos intracelulares (vírus e algumas bactérias) e como transportadores de antígenos-peptídeos ao receptor de células T CD8.  Esta apresentação do antígeno induzirá a resposta linfocitária que determina o aparecimento da doença.  Como foram descobertas em Klebisiella sequência de aminoácidos idênticas à sequência de parte da molécula do HLA-B27, a teoria do mimetismo molecular tornou-se atraente.  A partir daí, o receptor de célula T (TCR) desconheceria o HLA-B27 e produziria uma resposta inflamatória? Para que isso ocorresse, poderia haver antes o deslocamento de um peptídeo, localizado no encaixe do HLA-B27, pelo agente agressor?  Nos locais especialmente inflamados – sinóvias, enteses – os proteoglicanos teriam epítopos comuns aos peptídeos bacterianos?  Ainda não se tem as respostas para tais questões, mas com o modelo dos ratos trangênicos B27 humano, fortalece a participação do sistema HLA na indução da doença.

A ausência do B27 em casos de EA faz supor que este antígeno não seria exclusivo para o aparecimento desta doença.  Outros HLA classe I, e até mesmo classe II, atuam como fatores de risco para EA AM associação ou na ausência do B27.  Por exemplo, o B27 é comum em casos de EA em afro-americanos.  O B60 triplica o risco para EA em portadores de B27.

Convém mencionar a comparação de casos de EA B27 positivo com casos EA B27 negativos.  Os casos negativos tem início mais tardio, menor incidência de manifestações extra-articulares e menor incidência familiar.

A prevalência destacada em jovens do sexo masculino leva à inclusão dos hormônios sexuais como participante da etiopatogênese da EA.  Alguns estudos mostraram maior taxa de testosterona em casos de EA no sexo masculino, quando comparados com controles normais, porém sem significância estatística.  Um recente trabalho revelou um curioso resultado: significante aumento de hormônio luteinizante, mas confirmando a experiência clínica e resultados anteriores, demonstrando menor proporção estadiol/testosterona nos casos de EA em atividade.

Deve-se assinalar ainda que a resposta linfocitária induza o processo inflamatório – análises sanguínea de pacientes com EA mostram aumento de interleucina (IL-6, IL-1β), fator de necrose tumoral (TNFα), fator transformador do crescimento (TGFβ) e fator produtor de angiogênese da celular endotelial (EPAF).  O EPAF é responsável por neoformação vascular e consequentemente pode ser relacionado com a calcificação nos locais inflamados; TNFα e TGFβ tem sido encontrados em sacroilícas de casos de EA e, IL-1 e de IL-6, podem ser relacionadas à osteopenia observada.

Alguns autores descrevem que o processo inflamatório se inicia com uma entesopatia destrutiva, seguida por um processo de reparação na qual é observada neoformação óssea que resulta em anquilose entre estruturas adjacentes. Este achado indica que o processo inflamatório pode ser breve e que a neoformação óssea não é precedida de formação cartilaginosa. O osso neoformado tende a preencher os defeitos nos ossos lesados. Na coluna vertebral, a característica inicial mais comum é a ocorrência de lesões erosivas envolvendo a inserção ligamentar no osso, junto à porção anterior e anterolateral da região externa do anel fibroso, pouco abaixo ou mesmo na junção da borda do ânulo e do ângulo do corpo vertebral, algumas vezes, em ambos os locais.

A patologia da EA difere da artrite reumatóide (AR) por apresentar uma grande tendência a envolver articulações cartilaginosas, incluindo o disco intervertebral, a articulação manúbrio-esternal e sínfise púbica. As mudanças na membrana sinovial são semelhantes às observadas na AR: há proliferação vilosa da membrana sinovial, hiperplasia dos sinoviócitos e, ocasionalmente, formação de células multinucleadas. A formação de agregados nodulares linfóides é menos freqüente do que na AR. O líquido sinovial da EA contém menor número de polimorfonucleares e maior quantidade de linfócitos do que no fluido sinovial da AR. Pacientes com EA têm valores séricos de interleucina-6 (IL-6) e fator de necrose tumoral (TNF-α) mais baixo do que em pacientes com AR.

quinta-feira, 12 de maio de 2011

ESPONDILOARTOPATIAS SORONEGATIVAS

O termo espondiloartropatias soronegativas ou síndromes espondilíticas, refere-se a um grupo de enfermidades que compartilham características em comum, ou seja, representam um grupo de doenças inter-relacionadas que guardam certos aspectos em comum, como características epidemiológicas, patogenéticas, clínicas e patológicas. Entre elas a ocorrência de processo inflamatório na coluna vertebral, em articulações periféricas e tecidos peri-articulares, em especial as ênteses. São consideradas desordens multissistêmicas, nas quais além do envolvimento osteoarticulomuscular, ocorrem manifestações extra-articulares como uveíte anterior, lesões mucocutâneas, fibrose pulmonar, anormalidades do arco aórtico e distúrbios de condução. A característica laboratorial marcante das espondiloartropatias soronegativas é a ausência do fator reumatóide e de auto-anticorpos. Apresentam forte associação com o antígeno leucocitário humano – HLA-B27.
Espondiloartropatia soronegativa (ou espondiloartrite soronegativa) é um grupo de doenças envolvendo o esqueleto axial e que possuem estado sérico negativo. "Seronegativo" se refere ao fato que estas doenças são negativas para o fator reumatóide.
São chamadas de espondiloartropatias soronegativas (EASn):
·         A espondilite anquilosante (protótipo das espondiloartropatias),
·         A síndrome de Reiter e outras artrites reativas,
·         A artropatia psoriásica,
·         A espondilite relacionada às doenças inflamatórias intestinais (enteroartropatias):
o   Doença de Crohn
o   Retocolite ulceratica
o   Doença de Whipple
·         A síndrome SAPHO (sinovite, acne, pustulose, hiperostose e osteomielite)
·         Uma variedade de outras condições ainda não bem definidas que podem ser chamadas de espondiloartropatias indiferenciadas.
·         Algumas fontes também incluem a síndrome de Behcet e a doença de Whipple. 
Estas doenças possuem as seguintes condições em comum:
  • Possuem relação com o HLA-B27
  • Há presença de sacroileíte espondilite
  • Ocorre agregação familiar
  • Há tendência de sobreposição
  • O fator reumatóide não está presente
O fator reumatóide (FR) é um anticorpo contra a porção Fc da IgG, que por sua vez é um anticorpo. O fator reumatóide e a IgG se unem para formar complexos imunes que contribuem para causar doenças reumatológicas. Pode ser medido através de exames de sangue em pacientes com suspeita de artrite reumatóide. Os altos níveis de fator reumatóide são indicativos de artrite reumatóide (presente em 80%) e síndrome de Sjögren. Quanto maiores forem os níveis de FR, maiores serão as possibilidades de uma doença articular mais destrutiva. Existe uma alta taxa de resultados falso positivos devido a outras causas. Elas são: Hepatite Crônica. Qualquer infecção viral crônica, Leucemia, Dermatomiosite, Mononucleose infecciosa, Escleroderma e Lupus Eritematoso Sistêmico. 
O grupo Europeu de estudo das espondiloartopatias (ESSG) estabelece critérios de classificação para as EASN como um todo, com o objetivo específico de incluir até as EASN indiferenciadas.

CLASSIFICAÇÃO DE EASN _ Grupo Europeu de Estudo das Espondiliartropatias

·         Dor vertebral tipo inflamatória ou
·         Sinovite (assimétrica, predominante em membros inferiores) e qualquer um dos elementos seguintes:
o   História familiar positiva
o   Psoríase
o   Enterocolopatia inflamatória
o   Dor na região glútea
o   Entesopatia

Achados históricos
Em 1691, o médico Irlandês Bernard O’Connor divulgou as alterações encontradas num esqueleto desenterrado na França o que apresentava fusão de toda a coluna e pelve. 
Na segunda metade do século passado surgiram publicações esparsas de casos sugestivos de EA.  Descrições mais precisas são atribuídas a Betchterew (1893), Strümpell (1884 e 1897) e Marie (1898).  Com a introdução do Raio-X na prática clínica, Valentim, em 1899, fez o relato da “coluna em bambu”. 
Nos anos 20 deste século, muitos esqueletos, de até 2980 a.C, foram examinados, e neles observada fusão de vértebras.  Com o aperfeiçoamento das técnicas radiológicas, 1930 Forestier e outros descreveram as alterações das sacroilíacas e os sindesmófitos.
Em 1949, a fenibultazona passa a ser utilizado no tratamento da EA, com bons resultados.
Antes, nos 20 anos, tentativas com radioterapia foram desastrosas devido o aumento da incidência de leucemia e de outros cânceres nos pacientes submetidos.
Em 1965, surge a indometacina, que é incorporada ao arsenal terapêutico. 
No período de 1960 e 1970 consolida-se a distinção da EA como enfermidade não relacionada à artrite reumatóide.
Em 1973, simultaneamente, Brewerton e cols, na Inglaterra, e Schlosstein e cols, nos EUA, descobrem a alta prevalência (≥ 90%) do HLA-B27 em portadores de EA.
Este marcador, também muito prevalente em outras doenças do grupo, passou a ser mais uma das características das espondiloartropatias. 
Em 1980, foram descobertos subtipos do HLA-B27, sendo conhecido o B*2701, B*2702, B*2703 até B*2709.  Esses subtipos tem distribuição peculiar, assim exemplificando, o B*2705 ocorre em 90% dos casos de EA em caucasianos americanos, o B*2704 é mais prevalente em asiáticos, o B*2703 por sua vez, ocorre mais nos africanos.